quarta-feira, 28 de outubro de 2009

DANÇAS AFRO-BRASILEIRAS





Os músicos da África negra repetem muito os motivos que, às vezes, não têm encanto, e em geral, são demasiadamente curtos. Embora seja rudimentar a orquestra negra, produzindo mais ruído que harmonia, os movimentos dos dançarinos e das danças e cantos se fazem notados por harmoniosos. Sem dúvida alguma cabe a música e a dança da primazia nas manifestações artísticas dos negros. Muita coisa do nosso canto religiosos popular vem do elemento negro. A sua rítmica vinha diretamente da prosódia. Haveria muita coincidência com a rítmica do cantochão. Ao se meter na nossa formação, o negro deixou esta rítmica que muito diz também da influência destacar o elemento africano, conforme já observado em cocos e outras canções populares.

O negro influenciou na formação de danças e cantos. Trouxe-nos também os seus instrumentos que se congregaram na nossa orquestra popular, principalmente nas danças puramente africanas em que são imprescindíveis e a que muitas dão nome.




As danças têm um caráter importante na vida dos negros, como em geral de todos os povos de civilização atrasada. São elas que fazem o que Deniker chama la joie en comum . Motivo para reunir as tribos os grupos de indivíduos sem escolha de sexo, refletem um espírito coletivo, uma solidariedade. Um sacrifício da individualidade para uma só comunhão de idéias. Uma disciplina do pensamento. Pelas danças refletem os povos seus sentidos de sociabilidade reunião social que elas são, e, sobretudo, seu espírito religioso.

Aliás, neste ponto é que é interessante observar a música afro-brasileira. Sua parte religiosa, entre nós é possivelmente a mais curiosa a estudar. O sentido do ritual, a significação dos passos, o bamboleio do corpo, da queda para a direita ou para a esquerda.

A dança, principalmente, que os negros nos trouxeram com caráter religioso é que se tem mantido na mais rigorosa pureza. Observa-se isso assistindo a um toque. Observação, aliás, fácil. Porque os negros quando realizam a sua cerimônia nada percebem do mundo exterior. Espiritualizam-se. O seu interior domina o ambiente e lhes orienta o desenvolvimento da dança.

São estes motivos religiosos do africano que se têm mantido mais integralmente puros. Fernando Ortiz, estudando a influência negra na música de Cuba, confirma lá o que observamos aqui. Escreve ele: "... la mayor parte de la música que se conserva exenta de deformaciones, es de caráter religioso, viva aun, principalmente en esos ritos de los negros lucumis y ararás y en las cerimonias de los nenigos".

Mas os negros influenciaram também nas músicas profanas. As danças populares mais caracteristicamente nordestinas nos vieram do negro. São as que mais se fizeram ao contato da terra e da gente. As danças nascidas no nordeste são: o coco, dança socializada, o quilombo, dança dramática, o samba do matuto, próximo da dança dramática e transição do maracatu, e o frevo, dança generalizada. Outras muitas com caráter nordestino também foram no entanto transplantadas de outras terras. Quer negras, quer de influência índia ou portuguesa. Assim o maracatu, os congos, outras danças que não são legitimamente nascidas no Nordeste embora nela existam e floresçam.

a) O coco. O negro foi quem fez nascer o coco, parece até que sem querer Gilberto Freyre assentou o nascimento do coco. Diz ele, na Casa Grande & Senzala, referentemente às festas de casamento , de batismo, etc.: "Danças européias na casa grande. Samba africano no terreiro".

O coco nasceu daí: desse samba africano referido por Gilberto Freyre, dançado por negros e mestiços que compartilhavam da alegria vinda da casa grande, foi esse samba misturando-se com outras danças. Essas danças se iam chocando. Negro mais índio; negro mais português; português mais índio.

O coco possuiu lembrança de índio. Mas, o domínio do africano é tão maior que, sem se observar detidamente, não se enxerga a influência bugre.

Há ainda quem dê coco como integralmente indígena. Justificando esse tese, os seus defensores expõem que os índios faziam as suas danças em círculo sapateando, etc., semelhanças estas que há no coco. Este nasceu mais foi do negro nos dias ruidosos de sua alegria na senzala, derretendo-se pelo engenho todo até a casa grande quando participavam do alarido prazeroso dos seus senhores.

O coco nasceu em Alagoas opinião esta ainda não contestada. Depois se estendeu a todo nordeste. O notável psicanalista J. P. Porto Carrero quando estudante, de pasagem por Alagoas, assistiu a um coco, dançado no arrabalde de Bebedouro, e chamou-o o "celebrado coco de Alagoas". E acrescentou que também é pernambucano mas ali, (referindo-se a Maceió) se dança "com mais fervor, direi mesmo com algum rito de religião tradicionalmente venerado".

Confirmava assim o que mais ou menos na mesma época, escrevia Duque Estrada: estava o coco tão radicado nas Alagoas que "até nas casas de primeira sociedade de Maceió não raramente se improvisam essas funções populares". Este mesmo escritor assinala que se sentiu atraído pelo "tradicional baile de coco alagoano, muito mais característico e mais tradutor dos costumes do norte que os celebrados descantes da Bahia, monótonas melopéias entoadas em torno de um tema eterno e invariável: o louvor do Bom Jesus ou do Senhor do Bonfim."

Os negros transformaram o seu samba no coco sem caráter estritamente africano e com influência das casas grandes, fazendo uma dança que todos pudessem dançar sem se sentir que aquilo era negro. Feria o seu preconceito. Feito ao senhor de uma evolução de raça, toda cheias de quês pitorescos e de choques culturais, pegou o coco parte de uma e de outra. Do negro maior quinhão. Isto mesmo porque até a plasticidade – que se nota em toda a sua evolução – ele herdou do negro.

O fator étnico que concorre para a formação do coco, não é só o negro puro. Sabe-se que os velhos senhores de engenho, depois de comprar suas remessas de Angola ou de Guiné, viam essas se reproduzirem no desbragamento sexual das senzalas. As negras viviam de barriga cheia; os filhos de família, criados soltos, apreciando aquela liberdade que lhes dava o regime escravocrata eram uns verdadeiros pais de chiqueiros, os homens de família viviam nas camas ou nas esteiras de pipiri das escravas. Por tudo isso, que era mesmo incentivado pelo instinto multiplicador do senhor de engenho, desejando numerosa quantidade de escravos (demonstração de riqueza), aumentava assombrosamente o número de negros e mulatos. Iam nascendo e se desenvolvendo nas senzalas. Às vezes, não raro, subiam à casa grande onde cresciam como da família, servindo de companhia ao sinhô-moço. Um filho de escravo perdido, por aborto ou morte, era um abalo na fortuna do senhor. Era de se ver o escarcéu que um proprietário de escrava grávida fazia por tal coisa. Perder um escravo por aborto então!

Ora, esses subprodutos multiplicados, iam formando-se nos engenhos. Aí misturavam a língua embaralhando palavras portuguesas com africanas. Foi mais mesmo desses subprodutos que nasceu o coco. Menos nostálgicos que os seus antepassados – avô ou mesmo pai - se chegava, mais à alegria lusa da casa grande de que participavam com gozo. Dançarinos em que houvesse um misto das outras gentes. Em que pudessem também tomar parte sem sentir que estavam dançando dança negra. Dessa alegria das senzalas, desse choque de dança e canto, nasceu o coco.

O coco tem um ritimo muito variado, que ás vezes vai de cantador a cantador. Muitas, portanto, são as formas. Tem o agalopado, sem número certo de pés, o salto antigo, já pouco usado, o de entrega, o tapado, o remado. Dois cantadores alagoanos criaram formas interessantes: o negro Jacu, de Viçosa, o tranquiado, e o Manuel Catuaba de Anadia, o dobrado.

b) Quilombo. Esta dança dramática pertence ao ciclo histórico colonial na nossa formação demológica. Os quilombos representam a luta entre os negros foragidos que procuravam abrigo no quilombo dos Palmares, e os indígenas que os encontravam, essa tradição a respeito da dança. Tem se mantido sem influência degenerativa de sua formação e se representa sempre nas festas do Natal. Escasseando aos poucos tende a desaparecer completamente.

É também originalmente alagoano, não se tendo irradiado da Bahia para o Nordeste, como quer Melo Morais Filho para as nossas danças.

Viçosa, cidade do interior de Alagoas é um dos poucos lugares onde ainda se encontra o quilombo dançado com toda pureza e originalidade. Na festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim é costume ele aparecer. O rei, trajando gibão e calções brancos e de manto azul bordado, de coroa dourada e longa espada, dirige as danças dos negros ao som de adufos , pandeiros, ganzás e mulungus. Depois chega a rainha, vestida de branco. E os cantos prosseguem até que cheguem os caboclos, trajando tangas e cocar de penas e palhas, armados de arcos e flechas. Começa o combate. De um lado os negros, de outro os caboclos. Estes dançando e cantando o toré, música selvagem, com instrumental monótono, rude atacam os negros. Era o aceso da luta.

De um lado:

Dá-lhe toré, dá-lhe toré
Faca de ponta não mata muié

E de outro:

Folga negro
Branco não vem cá
Se vier
Pau há de levar

Termina a luta com a vitória dos caboclos subalugando o rei e os guerreiros negros. O quilombo é cercado e destruído, e os negros vendidos. Como se vê tudo procura mostrar a luta entre os negros palmarinos e os guerreiros coloniais com os seus índios, os paulistas de Domingos Jorge Velho, as tropas de Bernardo Vieira de Melo e Sebastião Dias. O quilombo tende a desaparecer e com ele uma das mais legítimas expressões da música popular no Nordeste.

c) Samba do matuto. Quase já dramatizado em dança quer me parecer também uma coisa bem do Nordeste. Pelo menos apresenta cantos mais chegados às coisas nordestinas. E mesmo o seu jogo de formas melódicas, está bem impregnado na música do Nordeste. Nasceu das horas de divertimento de escravos trabalhadores que se encontravam mais com os índios. Foi do maracatu que transitou a influência do negro para o samba do matuto. Outra coisa que concorre para dar ao samba do matuto esse caráter de divertimento de escravos trabalhadores são os cantos de usina que , em geral. Fazem parte dele.as cantigas são sempre lembrando os trabalhos do dia, os acontecimentos que se deram, etc.

d) O Frevo. No frevo é onde melhor se apresenta a influência do ritmo africano. Ritmo sincopado quase violento mesmo, puramente negro, o frevo é característico. É uma abundância de ritmos sem limites. É uso de síncopa forte e até violento. Nas marchas dos clubes carnavalescos o ritmo do frevo, ritmo verdadeiramente do nordeste, está melhor acentuado. É preciso antes de tudo frisar um ponto: a diferença entre a marcha do Sul e a do Nordeste. A do Sul se marca por quase sempre descendente, coisa, aliás, muito notada na música brasileira. A do Nordeste é mais vibrante (Quando falo em marcha do Nordeste me refiro, em particular, ao frevo). Mais sensual. Animada de um sabor tropical.

Dão ainda ao frevo o nome de passo. Passo se exemplificaria melhor ser o ritmo que movimenta o povo, dançando as marchas carnavalescas. O frevo, o conjunto desses passos. Os passos é que são vários: dobradiça, chã de barriguinha, tesoura, evoluções aviatórias, contorsões, etc. esses ritmos são os mais curiosos possíveis.

Infelizmente, os compositores ainda não pegaram com habilidade os ritmos do frevo. Há neles muita influência das marchas do sul. Em alguns se observa o ritmo do frevo somente na introdução. Nas partes de canto geralmente a influência sulista absorve o característicos nordestino. Justamente porque o frevo não tem canto. É dança pura.

Os ritmos do frevo são inteiramente novos, originais, na música brasileira. O seu papel na música do Nordeste destaca-se justamente pela sua vibrante intensidade. O seu desenho melódico muitas vezes acentuadamente sincopado, traz uma descendência de notas um tanto curiosas. O seu relevo está em que depois de descer acentua a nota dentro da tonalidade. Esta forma é abundante no frevo.

O frevo vive menos nas músicas dos compositores e mais, muito puramente nas ruas do Recife ao som das marchinhas dos clubes carnavalescos: dos Lenhadores, dos Vassourinhas, dos Pás, dos Toureiros.


Fonte: http://www.jangadabrasil.com.br/maio21/fe21050c.htm

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