quarta-feira, 13 de novembro de 2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

LIvros Animados





terça-feira, 5 de novembro de 2013

O Cabelo de Lelê


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Livros Animados











segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Danças brasileiras de matriz africana: “Quem dança, seus males espanta!”


Por Denise Guerra *
Pós-Graduada em Cultura Africana e Afro Brasileira - UCB – Brasil
E-mail: denise.guerra@yahoo.com.br


A arte é muito presente na vida dos africanos. Todos os acontecimentos da vida africana são comemorados com música e especialmente com dança, sendo uma interdependente da outra; o que não faltam são os motivos: fertilidade, nascimento, plantio ou colheita, saúde, felicidade, doença e até a morte. A dança originou -se na África como parte essencial da vida nas aldeias; ela interrompe a monotonia e a estrutura do tempo. A dança pode acentuar a unidade entre os membros de um grupo social, sendo possível a participação de homens, mulheres e crianças.

As danças de origem africana geralmente são feitas em círculos ou em fileiras.

Os participantes comumente dançam descalços mantendo a tradição de respeito a terra, pois, na visão do homem africano pertencemos a ter ra assim como nossos ancestrais. Poucas vezes se dança sozinho, há grande preferência pelas danças de pares. Os dançarinos batem palmas, cantam, improvisam, desafiam, mostram suas habilidades sonoro-corporais. Assim como a música ou o teatro, a dança é uma forma de contar histórias.

Conforme a teoria musical, o ritmo é a organização do tempo do som, e as músicas e danças de origem africanas são fundamentalmente rítmicas. O ritmo é uma maneira de transmitir o movimento da vida, como as batidas do co ração. O som, cujo tempo se ordena no ritmo, no sistema yorubá é considerado um condutor de axé (força vital) por excelência. Música, dança, mitos e objetos sagrados em conjunto, são encarregados de acionar o processo de interação entre os homens e as divi ndades, ligando o mundo visível e o mundo invisível (o Aiê e o Orum em nagô).

Num universo de centenas de danças originárias da cultura africana no Brasil, escolhi algumas para este palco iluminado de palavras dançantes. As dançasafricanas no Brasil começam a ser contadas e dançadas pelos batuques, um termo comumente aplicado pelos portugueses aos ritmos e danças dos africanos, que por extensão, designam certas danças afro -brasileiras e era também denominação genérica para os cultos afro-religiosos. Segundo Lopes (2006) “do batuque dos povos bantos de Angola e do Congo originaram-se os principais ritmos e danças do Brasil e
das Américas, como o Samba e o Jongo”.

Dançar imitando os movimentos do cotidiano era o caso do Banguê ou Bangulê uma dança do Pará. Ela surge logo após a abolição da escravatura no município de Cametá, através da chegada dos negros escravizados que haviam fugido dos engenhos de cana-de-açúcar da Ilha de Marajó. A palavra "Banguê" significa “padiola em que se conduziam cadáveres de escravos negros” e ainda "engenho de açúcar", por isso a dança também é conhecida como "dança dos engenhos".

Nesta dança, homens e mulheres se movem com movimentos ondulatórios imitando o melado que desce do tacho superaquecido quand o se está fazendo o mel de cana. Em alguns momentos da apresentação, os participantes se movem de forma mais rápida, fazendo representar a alegria dos escravos quando ocorriam as paradas nos intervalos das atividades no engenho. A musicalidade presente no Banguê relembra a vida, o sofrimento e a identidade cultural dos negros escravos que trabalhavam em engenhos do Pará.

Dançar pode ser sagrado: o Jongo é uma dança de roda e de umbigada que veio com os africanos das regiões do Congo e de Angola, trazidos p ara o trabalho escravo na região sudeste brasileira. O Jongo, também chamado de Caxambu, é uma dança voltada para o divertimento, mas, é permeada por aspectos religiosos. Além da dança, o Jongo traz em sua música “os pontos”, verdadeiros enigmas para serem desamarrados por quem entende seus fundamentos. No tempo dos escravos só dançavam os adultos, contudo, com a necessidade de preservação deste patrimônio cultural hoje é dançado até por crianças. O jongo é acompanhado dos tambores Tambu e Candongueiro, dos Guaiás (chocalhos) e da Angoma-puíta (cuíca). O canto é responsorial, há uma marcação com o pé direito quando os casais se encontram, e a improvisação corporal revela os movimentos gingados no prazer do encontro.

O grupo cultural Jongo da Serrin ha no Rio de Janeiro conta que “o jongo influenciou decisivamente o nascimento do samba no Rio de Janeiro”, mas, seus aspectos místicos restringiram-no aos ambientes familiares ao contrário do samba que ganhou espaços em todo o país tornando-se nosso cartão de visitas.

O Lundu, descendente direto dos batuques africanos, é considerado a primeira música afro-brasileira. A dança do Lundu de tão sensual que era, mexeu profundamente com os corpos e com a moral da sociedade do período colonial brasileiro. Desta forma, foi perseguido e proibido pela corte portuguesa e pelo clero, entretanto, como tudo que é forma de cultura popular continuou a ser dançado às escondidas.

A prática da dança do Lundu envolve uma encenação do assédio e da conquista sexual de um homem sobre uma mulher. Em grande parte da dança a mulher esnoba o pretendente, usando de meneios que visam seduzi -lo. Ao final da cena deve ocorrer o clímax do ato sexual, quando o casal pode até deitar -se no chão para representar melhor o dito ato e depois os casais voltam a dançar em pé no salão normalmente. O Lundu que chegou aos salões evitava a última cena, mas, não abdicava da sensualidade em demasia.

O acompanhamento musical já era mesclado de percussões com as cordas (banjo, cavaquinho, rabeca) e instrumento de sopro como o clarinete. O Lundu foi uma das primeiras danças brasileiras de pares enlaçados, pois, até então se dançava umbigada que é dança de pares soltos. No século XIX quando o Lundu tornou -se conhecido, os ritmos ainda não estavam muito bem definidos, desta forma, há alguns questionamentos sobre as semelhanças e diferenças entre o fado, que tendo nascido em terras brasileiras foi se desenvolver em terras lusitanas, e o lundu brasileiro que fez sucesso em Portugal. Tinhorão (1975) cita que há autores afirmando que o fado
seria o segundo nome do lundu.

A maioria das danças tem seus estilos associados a um gênero musical específico, todavia, com a dança do Maxixe isto não aconteceu. O Maxixe foi o primeiro tipo de dança de salão urbana surgida no Brasil. Era dançado em locais que não atendiam a moral e aos bons costumes da época, como em forrós, gafieiras da Cidade Nova e nos cabarés da Lapa, no Rio de Janeiro, por volta de 1875. Entre os ritmos que embalavam o Maxixe estão o tango, a habanera, a polca ou o lundu.

O provocante Maxixe era dançado com os pares enlaçados pelas pernas e braços, apoiando-se pela testa. Essa maneira de dançar lhe valeu o título de “a dança excomungada”. Foi perseguida pela polícia, igreja, chefes de família e educadores.

Para que pudessem ser tocadas em casa de família, as partituras de maxixe traziam o nome inadequado de "Tango Brasileiro". Só no final do século XIX, o maxixe foi considerado um gênero musical, quando o espí rito nacionalista brasileiro aflorado clamava por um aspecto cultural que nos identificasse como tal. Assim, as casas editoriais imprimiram às músicas com esta classificação a seguinte frase: "a primeira dança genuinamente brasileira".

Para vivenciar as danças afro-brasileiras há que se expor a proximidade dos corpos no embalo dos ritmos sincopados, ao aumento da pulsação e da sensação de prazer no movimento e na troca íntima com o par, além de desvendar uma pungência alegre e contagiante. Com a licença poética do compositor Djavan... “Dançar é mover o dom do fundo de uma paixão, seduzir as pedras, catedrais, coração...”.



sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A Capoeira

A capoeira é um fenômeno sociocultural complexo. Atualmente, é reconhecida mundialmente como patrimônio cultural da humanidade, mas já houve tempos em que era uma prática criminalizada e, por definição do Código Penal, seus praticantes eram perseguidos e presos. A trajetória da capoeira é marcada por polêmicas, controvérsias e dissensões que exigem compreender sua construção cultural na dinâmica das relações sociais e políticas.

Origens do nome capoeira
A própria configuração etimológica do nome capoeira coloca-se diante de uma polêmica. Como afirmam alguns autores, "a palavra capoeira é derivada dos vocábulos indígenas caá (mato, floresta) e oeira (que foi), logo, mata que existiu". Outra versão indica o termo caa-apuam-era, que significa mato miúdo nascido no lugar onde existiu mata virgem. Nos dois casos, há alusão aos locais de prática da capoeira: dentro da mata fechada em locais descampados e abertos. Nesse caso, pode-se considerar dois elementos que constituem a prática da capoeira em seus primórdios: a luta de resistência à escravidão, tramada em segredo, e a perseguição a essa prática cultural, que era exercida em um espaço camuflado.
Outra acepção para o termo capoeira reforça sua origem indígena, tupi-guarani, mas com outro significado. O nome teria surgido de caapo, buraco de palha ou cesto de palha, com o acréscimo europeu do termo eiro (de quem o carrega). Essa definição remete a outras informações sobre a capoeira em seus primórdios: seu espaço eram as ruas das cidades e seus praticantes, "negros de ganho, escravos libertos, que vendiam alimentos pelas ruas", que protegiam suas mercadorias carregadas em cestos com movimentos de corpo que lembravam uma coreografia e uma dança.

As duas acepções mais frequentes da palavra capoeira convergem para a indistinção entre luta e dança, entrelaçadas no desenvolver dessa prática cultural. Pode-se perceber que a ludicidade atribuiu uma forma de disfarce à resistência contra roubos cotidianos, disputas de poder entre escravizados e libertos e à oposição ao sistema escravista.

Quando tudo começou?
A capoeira veio da África ou sua origem é brasileira?
  A origem dessa prática cultural é controversa. Há, pelo menos, duas interpretações ou tendências mais conhecidas, as quais são sinalizadas por vários autores: uma que reconhece a capoeira como herança africana, e outra que a define como elaboração brasileira. Os argumentos dessas duas tendências também se aproxima da complexidade que faz da capoeira, além de uma prática cultural, um fenômeno sociopolítico.

   Os argumentos que estabelecem a origem da capoeira na África indicam elementos das tradições de povos desse continente na prática da capoeira. Uma referência constante é a dança da zebra, ou n'golo, de origem do povo mucope, do sul de Angola. Essa dança ocorria durante a efundula (festa da puberdade), na qual adolescentes formavam uma roda, com uma dupla ao centro desferindo golpes de coices e cabeçadas um no outro, até que um era derrubado no solo. Os passos da dança foram inspirados nas observações que se fazia dos machos das zebras nas disputas das fêmeas durante o período do cio. Outras referências africanas identificadas na capoeira estabelecem correlação com uma dança de guerra existente entre os povos do antigo reino do Congo e os rituais tradicionais dos povos do rio Zaire, na África Centro-Ocidental, da qual seriam provenientes também algumas cores que representam poder e chefia, como a cor vermelha.

   Os argumentos que definem a capoeira como prática cultural desenvolvida no Brasil advogam características de uma mistura da cultura africana com a cultura indígena, verificada na origem da palavra e em um ritual indígena composto por música, dança e luta.

   Argumenta-se, também, que os indícios de elementos de tradição africana presentes na capoeira não seriam suficientes para comprovar essa origem, já que essa  prática cultural não está presente em outros países da diáspora de africanos para as Américas. Esse argumento é contestado pela historiadora Regiane Mattos, que reconhece no Caribe a existência de danças marciais com origem em tradições do Congo.

   A dúvida sobre a origem da capoeira persiste. O mais importante não é superar essa controvérsia, mas compreender que o princípio da capoeira é africano, ou seja, trata-se de uma construção dos africanos e seus descendentes no contexto brasileiro, uma reelaboração da ancestralidade em outro tempo e lugar. Esse entendimento possibilita perceber que a capoeira sofreu adaptações, entretanto, guarda no seu desenvolvimento marcas da experiência e da expressividade negras.

Capoeira como resistência

   Acima de todas as controvérsias sobre a origem da capoeira, há uma unanimidade em reconhecê-la como uma prática de resistência da população negra contra o sistema escravista no Brasil. Segundo alguns pesquisadores, a prática da capoeira foi motivo de prisão no Rio de Janeiro. Essa informação  pode ser identificada, sobretudo, quando os estudiosos do tema pesquisaram os registros carcerários a partir da chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808. A culminância da perseguição à capoeira foi sua introdução no Código Penal Brasileiro de 1890, sendo associada à criminalidade.

Decreto nº 487 do Código Penal de 1890
    O Decreto nº 487 do Código Penal de 1890 estabeleceu, no Capítulo XIII, que tratava dos "vadios e capoeiras":

Art.402 - Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal,conhecidos pela denominação de capoeiragem, andar em correrias com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal:
Pena de prisão celular de dois a seis meses.
Parágrafo único: É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a pena em dobro.

Por que tamanha oposição à prática da capoeira?

    Consideram-se alguns motivos. O primeiro, mais evidente, é que a capoeira aparecia como uma forma de luta que utilizava o corpo como uma arma. Ou seja, a população negra escravizada construiu uma forma de defesa e de resistência que não era esperada e nem conhecida por seus opositores. Deve-se, ainda, levar em consideração algumas características que, ao longo da história, fizeram com que a capoeira se estabelecesse no âmbito das relações sociais mais amplas. A característica de reelaboração da ancestralidade africana ocorre não só nos movimentos, mas nos elementos utilizados para compor a capoeira: a roda, a música e a interação entre os jogadores remetem a uma forma de perceber o mundo e de exercer a relação entre o ser humano e a natureza. O Brasil pós-Lei Áurea (1888) e, sobretudo do início da República (1889), estava imerso em um contexto ainda repleto de imagens e representações negativas oriundas do sistema escravista a respeito dos africanos escravizados e de seus descendentes. Apesar da abolição da escravatura, o estatuto de humanidade e de cidadania não foi automaticamente atribuído  à população negra. Foram necessárias pressão, perseverança e muita luta para a construção de políticas públicas na superação desse quadro. Essa situação continua, em outros moldes, até os dias de hoje. A representação e os sentimentos negativos em relação aos negros, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, atingiam o Estado e as elites da época, que consideravam os negros e suas práticas culturais como suspeitos. Nesse sentido, a existência da capoeira colocava-se como uma ameaça e um obstáculo aos processos de eliminação da identidade africana, por isso a criminalização.

    Outro motivo a se considerar para explicar a criminalização da capoeira é que nela constituíram-se heróis: aqueles que a praticavam, que ensinavam o jogo, os mestres.

     Os mestres eram pessoas admiradas não só por sua força ou capacidade de vitória no jogo. Eram o emblema da coragem e da resistência de um povo e, como fonte de saber, faziam o elo com as tradições africanas. Sua atuação não se restringia ao jogo da capoeira que, por sua vez, não tinha início e fim na roda. A ação dos mestres era voltada para a construção da coletividade, do grupo, que, unido, resiste e constrói uma posição digna na sociedade. Expressavam, também, uma grande preocupação com as novas gerações: ensinar a capoeira era transmitir valores e produzir o futuro. Era admirando o mestre e jogando na roda que o aprendiz dava os primeiros passos. A sabedoria dos mestres era transmitida também pela oralidade, presente no canto da capoeira, nas histórias que precediam à roda, na descrição dos movimentos e na coragem de falar sobre a situação de escravidão a ser superada.

    Foi somente em 1934, no contexto do Estado Novo, regime ditatorial implementado pelo presidente Getúlio Vargas e com forte apelo populista, que a capoeira foi retirada do Código Penal, com a condição de também sair das ruas. Esse pode ser interpretado como o segundo momento da história da capoeira.

Capoeira como esporte

   No contexto da ditadura de Getúlio Vargas, ganhava força a ideologia da identidade nacional produzida com a interferência política e de polícia no campo da cultura. Isso não foi diferente no reconhecimento da capoeira, que deixou de figurar no Código Penal e foi alçada à condição de esporte nacional, escamoteando-se a referência afro em sua constituição.

    Uma passagem importante desse período é a transformação dos centros de capoeira em centros esportivos: lugares de prática do jogo e de encontro, de discussão sobre a capoeira como arte, identidade e debate sobre seus princípios. Um dos primeiros registros desse caso é o do Centro de Capoeira Angola, em Salvador, que passou a Centro Esportivo de Capoeira Angola. A mudança tinha por objetivo desvincular a capoeira da marginalidade e situá-la em um espaço fixo, cercado e organizado para esse fim.

    Para entender essa mudança operada na capoeira, é importante retornar uma de suas características: a capacidade de adaptar-se ao ambiente em que se encontra, como um camaleão. Essa característica está presente no jogo e constitui um princípio da prática e da experiência de capoeiristas. A capoeira angola ganhou contornos de academia, com mais interesse na transmissão do saber, com um tipo de ensino mais sistematizado, com apresentações em espaços abertos e com maior controle. Ao mesmo tempo, sem descuidar da arte do disfarce, reproduzem-se nas academias os espaços originais da capoeira, tais como a demarcação do círculo no chão, remetendo à roda, que ocorre naturalmente nos espaços públicos, além do canto e do louvor aos antigos capoeiristas e mestres pioneiros.

      No cenário da década de 1930, repleta de significações ambíguas sobre a capoeira, ocorreu uma mudança desencadeada pelo mestre Bimba, declarando que a capoeira estava insuficiente em termos de ataque e defesa. E, para subsidiar as competições, ele incluiu movimentos de outras lutas marciais - como jiu-jítsu, caratê, judô -, criando, assim, a luta regional baiana, posteriormente denominada capoeira regional. A capoeira regional enfatiza o jogo como luta, tomando como elementos importantes a força física e a flexibilidade para a realização de saltos. O tempo dessa forma de capoeira é mais rápido, caracterizado pela sucessão de ataque e contra-ataque.

   No jogo entre a prática criminalizada e a aceitação controlada, percebemos as ambiguidades que demarcam a prática da capoeira no contexto atual. Como cultura nacional, transformou-se em mercadoria de exportação para turistas; como esporte, passou a figurar como disciplina dos cursos de educação física; como tradição, começa a ser interrogada por educadores interessados em se aproximar dos princípios da capoeira como contribuição aos processos de formação das novas gerações.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

GRIÔ - Contadores de histórias

 

A palavra griô é de origem francesa,e traduz o termo da língua africana banaman dieli (jéliou djeli), que significa “osangue que circula”. Essa língua tem sua origemno antigo Império do Mali, hoje dividido em vários países do noroeste da África.
 
 A palavra griô designa os contadores de histórias, genealogistas, mediadores políticos, contadores, cantores e poetas populares que vivem em alguns países africanos, no Sudão e em parte da zona guineense.
 
Os griôs são bibliotecas vivas da tradição oral de vários povos africanos. No continente africano, um griô nasce gri|ô, seu ofício não é escolhido, relaciona-se a uma herança e à sua origem. Quando nasce um griô, a ele são atribuídos direitos e deveres, ele é responsável por guardar e transmitir a história do seu povo. Quando um griô morre, diz-se que uma biblioteca se foi, porque ele carrega a sabedoria e as tradições desse povo.
 
É por meio da tradição oral que o griô transmite às novas gerações o que sabe, especialmente às crianças. Existem mulheres e homens que são griôs e griotes. Além das tradições de seu povo, essas pessoas conhecem o som dos animais, dos grandes aos pequenos, das cigarras aos elefantes.

De acordo com Hampaté Bâ, os griôs classificam-se em três categorias:
•    os    griôs    músicos    que    tocam    qualquer    instrumento   (monocórdio,    guitarra,    cora, tantã etc). Normalmente são excelentes cantores, preservadores, transmissores de música antiga e, além disso, compositores;
•    os    griôs    embaixadores    e    cortesãos,    responsáveis    pela    mediação    entre    as    grandes famílias em caso de desavenças. Estão sempre ligados a uma família  nobre ou real, às vezes a uma única pessoa;
•    os    griôs    genealogistas,    historiadores    ou    poetas    (ou    os    três        ao    mesmo    tempo),    que, em geral, são igualmente contadores de história e grandes viajantes, não necessariamente ligados a uma família (BÂ, 2011, p.193).

O autor ainda relata que a tradição confere aos griôs um status especial e diferente dos nobres pois eles têm o direito inclusive de ser cínicos e gozam de grande liberdade de fala. Podem se manifestar livremente, até mesmo impunemente e, por vezes, chegam a zombar das coisas mais sérias e sagradas, sem que isso lhes acarrete graves consequências. Além disso, podem contar mentiras e ninguém as tomará no sentido próprio. Nesses casos, as pessoas podem até saber que não estão falando totalmente a verdade, mas aceitam como se fosse e não se deixam enganar. Nesse último caso, Hampaté Bâ adverte:

                                  é importante considerar que nem todos os griôs 
                         são necessariamente desavergonhados   ou                  
                         cínicos . Pelo contrário, entre eles existem aqueles que
                         são chamados de dieli-faama, ou seja, 'griôs reis'. Eles
                         não são inferiores aos nobres no que se refere à 
                         coragem, virtude e sabedoria e jamais abusam dos
                         direitos que lhes foram concedidos por costume. 
                         (BÂ, 2011, p.195).
 
Nas sociedades africanas, a oralidade é um elemento central na produção e manutenção das mais diversas culturas, dos valores, conhecimentos, ciência, história, modos de vida, formas de compreender a realidade, religiosidade, arte e ludicidade. A palavra falada, para os povos africanos, possui uma energia vital, capaz de criar e transformar o mundo e de preservar os ensinamentos. As narrativas orais são registros tão complexos como os textos escritos. Essas narrativas se articulam à musicalidade, à entonação, ao ritmo, à expressão corporal e à interpretação. São guardadas e verbalizadas por narradores ou griôs, treinados desde a infância no ofício da palavra oral. Eles se apropriam e transmitem crenças, lendas, lições de vida, segredos, saberes, e têm o compromisso com aquilo que dizem.
 
Segundo J.  Vansina,
 
                      nas sociedades africanas reconhece-se a fala não apenas como uma forma de comunicação cotidiana, mas também como uma forma de preservação da sabedoria, por meio daquilo que chamamos de tradição oral. A tradição, nessa caso, é entendida como um testemunho transmitido verbalmente de uma geração à outra. Na maioria das civilizações africanas, a palavra tem um poder misterioso, pois palavras criam coisas [...] as civilizações africanas, no Saara e ao sul do deserto, eram em grande parte civilizações da palavra falada. Isso acontecia até mesmo nos lugares onde havia a escrita, como na África Ocidental a partir do século XVI, pois um número reduzido de pessoas sabia escrever. A escrita ficava relegada a um segundo plano em relação à palavra falada. Todavia, o mesmo autor nos alerta para o fato de que seria um erro reduzir a civilização da palavra falada a algo negativo, como uma 'ausência da escrita' e perpetuar os preconceitos sobre esses povos, suas histórias e costumes. Tal atitude seria uma demonstração da total ignorância em relação à natureza dessas civilizações orais. Inspirados pela tradição africana, no Brasil, há pessoas que são denominadas e consideradas griôs. São pessoas que trabalham com a cultura, arte e educação popular, reconhecidas pela própria comunidade como mestres das artes, da cura, líderes religiosos de tradição oral, músicos que sabem tocar instrumentos tradicionais, contadores de histórias de suas comunidades que socializam as raízes dos povos a que pertencem, são também cantores e poetas. Pessoas que, por meio da oralidade, das experiências vividas e da corporeidade, desenvolvem uma pedagogia que valoriza o poder das palavras (VANSINA, 2010, p. 139)



 
 
 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Cultura afro-brasileira Brasil tem a maior população de origem africana fora da África e, por isso, a cultura desse continente exerce grande influência

O Brasil tem a maior população de origem africana fora da África e, por isso, a cultura desse continente exerce grande influência, principalmente na região nordeste do Brasil. Hoje, a cultura afro-brasileira é resultado também das influências dos portugueses e indígenas, que se manifestam na música, religião e culinária.
Devido à quantidade de escravos recebidos e também pela migração interna destes, os estados de Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul foram os mais influenciados.
No início do século XIX, as manifestações, rituais e costumes africanos eram proibidos, pois não faziam parte do universo cultural europeu e não representavam sua prosperidade. Eram vistas como retrato de uma cultura atrasada. Mas, a partir do século XX, começaram a ser aceitos e celebrados como expressões artísticas genuinamente nacionais e hoje fazem parte do calendário nacional com muitas influências no dia a dia de todos os brasileiros.
Em 2003, a lei nº 10.639 passou a exigir que as escolas brasileiras de ensino fundamental e médio incluíssem no currículo o ensino da história e cultura afro-brasileira. Para ajudar na criação das aulas e na abordagem pelos professores, o Sinpro-SP preparou um site com várias dicas e material para estudo.

Música
A principal influência da música africana no Brasil é, sem dúvidas, o samba. O estilo hoje é o cartão-postal musical do país e está envolvido na maioria das ações culturais da atualidade. Gerou também diversos sub-gêneros e dita o ritmo da maior festa popular brasileira, o Carnaval.
Mas os tambores de África trouxeram também outros cantos e danças. Além do samba, a influência negra na cultura musical brasileira vai do Maracatu à Congada, Cavalhada e Moçambique. Sons e ritmos que percorrem e conquistam o Brasil de ponta a ponta.

Capoeira
Inicialmente desenvolvida para ser uma defesa, a capoeira era ensinada aos negros cativos por escravos que eram capturados e voltavam aos engenhos. Os movimentos de luta foram adaptados às cantorias africanas e ficaram mais parecidos com uma dança, permitindo assim que treinassem nos engenhos sem levantar suspeitas dos capatazes.
Durante décadas, a capoeira foi proibida no Brasil. A liberação da prática aconteceu apenas na década de 1930, quando uma variação (mais para o esporte do que manifestação cultural) foi apresentada ao então presidente Getúlio Vargas, em 1953, pelo Mestre Bimba. O presidente adorou e a chamou de “único esporte verdadeiramente nacional”.

Religião
A África é o continente com mais religiões diferentes de todo o mundo. Ainda hoje são descobertos novos cultos e rituais sendo praticados pelas tribos mais afastadas. Na época da escravidão, os negros trazidos da África eram batizados e obrigados a seguir o Catolicismo. Porém, a conversão não tinha efeito prático e as religiões de origem africana continuaram a ser praticadas secretamente em espaços afastados nas florestas e quilombos.
Na África, o culto tinha um caráter familiar e era exclusivo de uma linhagem, clã ou grupo de sacerdotes. Com a vinda ao Brasil e a separação das famílias, nações e etnias, essa estrutura se fragmentou. Mas os negros criaram uma unidade e partilharam cultos e conhecimentos diferentes em relação aos segredos rituais de sua religião e cultura.
As religiões afro-brasileiras constituem um fenômeno relativamente recente na história religiosa do Brasil. O Candomblé, a mais tradicional e africana dessas religiões, se originou no Nordeste. Nasceu na Bahia e tem sido sinônimo de tradições religiosas afro-brasileiras em geral. Com raízes africanas, a Umbanda também se popularizou entre os brasileiros. Agrupando práticas de vários credos, entre eles o catolicismo, a Umbanda originou-se no Rio de Janeiro, no início do século 20.

Culinária
Outra grande contribuição da cultura africana se mostra à mesa. Pratos como o vatapá, acarajé, caruru, mungunzá, sarapatel, baba de moça, cocada, bala de coco e muitos outros exemplos são iguarias da cozinha brasileira e admirados em todo o mundo.
Mas nenhuma receita se iguala em popularidade à feijoada. Originada das senzalas, era feita das sobras de carnes que os senhores de engenhos não comiam. Enquanto as partes mais nobres iam para a mesa dos seus donos, aos escravos restavam as orelhas, pés e outras partes dos porcos, que misturadas com feijão preto e cozidas em um grande caldeirão, deram origem a um dos pratos mais saborosos e degustados da culinária nacional. 

terça-feira, 2 de abril de 2013

Valores Civilizatórios

Circularidade

Todos nós conhecemos o prazer que advém do ato de sentar em roda com amigos para contar histórias, fazer música, brincar com jogos ou manifestar a religiosidade. Os próprios valores civilizatórios são bons exemplo de circularidade. A vida é cíclica. Podemos estar muito bem agora e numa posição ruim depois até que voltemos a um estado satisfatório. A humanidade inteira permanece unida por este sentimento circular.



“O terreiro tem o papel importantíssimo de resgatar a Mãe África, mesmo que através de uma nostalgia, de um lamento. E é esse território representado pelo círculo que vai reaparecer em várias atividades, de cunho religioso e também no espaço lúdico. Essa mesma roda está presente na capoeira, no jongo, no tambor de crioula, na gira da umbanda e no samba”.



Religiosidade

Para a nação afro-descendente, religiosidade é mais do que religião: é um exercício permanente de respeito à vida e doação ao próximo. A propósito, em tempos de tanta violência gratuita, vale pontuar que a vida é um dom divino, de caráter transcendental, e deve ser usada para cuidar de si e do outro.



“A cada dia acontece uma lição de vida. Aprende-se de tudo, a comunicação com os mais velhos, com os mais novos, o trabalho em grupo fazendo-se o que gosta ou que não gosta; e, sobretudo, aprende-se o gosto pela vida, numa estreita relação com o Orixá” (Mãe Stella)



Corporeidade

Este conceito nos ensina a respeitar cada milímetro do corpo humano, que deve estar presente em cada ação e em diálogo com outros corpos. As demandas corporais devem ser consideradas. Afinal, o corpo atua, registra nele próprio a memória de várias maneiras, seja através da dança, da brincadeira, do desenho, da escrita, da fala. Das músicas às danças, com tudo o que elas anunciam e denunciam. Os corpos dançantes revelam memórias coletivas.



“Aprendemos que as danças circulam e que o corpo informa sobre a vida de cada dançarino” (Antonio Nóbrega)



Musicalidade

Famosa no mundo inteiro pela sua qualidade inconteste, a música brasileira tem os dois pés bem fincados no Continente Negro. Quem resiste aos encantos de uma batucada? A musicalidade, a dimensão do corpo que dança e vibra em resposta aos sons só reafirma a consciência de que o corpo humano também é melódico e potencializa a musicalidade como um valor.



“O som é o ponto de partida dos primeiros habitantes do globo terrestre rumo à formação dos primeiros agrupamentos humanos que, no curso da evolução, irão constituir a nossa civilização. A importância da música, da qual o som é a matéria-prima, é superior à descoberta do fogo, ou à invenção da roda ou da imprensa” (Charles Murray)



Memória

Para despertar o sentimento de afro-brasilidade e, sobretudo, de orgulho ao exibi-la, é necessário mexer no eixo do racismo e da memória: o racismo como algo a ser enfrentado e a memória para que a presença africana que habita em nós possa emergir livremente.



Ancestralidade

Quando se pensa em ancestralidade, faz-se uma imediata ponte com a história e a memória. Convém não esquecer o passado. Não há fórmulas complexas para vivenciar o que é, de fato, a ancestralidade. Quer provar? Então saia em busca do relato dos mais velhos, que trazem o rico imaginário afro-brasileiro.



“A memória compõe nossa identidade. É por intermédio da memória que construímos nossa história. Ao construir a memória, construímos lembrança, que para existir precisa do outro e necessita ser compartilhada. Assim também é a obra de arte” (Franklin Esparth Pedroso)



Cooperativismo

Falar sobre cultura negra requer usar a palavra ‘coletivo’. Pensar em africanidades é pensar em comunidade, em diversidade, em grupo. Imaginem o que teria acontecido com a população negra num sistema escravocrata se houvessem desprezado o princípio da parceria, do diálogo, da cooperação? E ainda nos dias que corre, nesta sociedade racista excludente?



“Durante séculos os povos da África Central tinham lidado com a diversidade étnica, desenvolvido tradições religiosas comuns e compartilhado formas culturais. Essas habilidades eles as transmitiram para o Brasil, onde utilizaram indiscutivelmente técnicas similares para lidar com a diversidade cultural” (Karasch)



Oralidade

Herança direta da cultura africana, a expressão oral é uma força comunicativa a ser potencializada. Jamais como negação da escrita, mas como afirmação de independência. A oralidade está associada ao corpo porque é através da voz, da memória e da música, por exemplo, que nos comunicamos e nos identificamos com o próximo.



“Griots são contadores de histórias fundamentais para a permanência da humanidade: são como um acervo vivo de um povo. Carregam nos seus corpos lendas, feitos, canções e lições de vida de uma população, envoltos numa magia própria, específica dos que encantam com o corpo e com sua oralidade” (Gregório Filho)



Energia Vital

O princípio do axé é a vontade de viver e aprender com vigor, alegria e brilho no olho, acreditando na força do presente. Em nada se assemelha a normas, burocracias, métodos rígidos e imutáveis. Pelo contrário. Tudo é uma possibilidade para quem é guiado pelo axé.



“Perdi os dedos, mas não a força e a vontade de esculpir. Aprendi a usar os joelhos como quem usa os pés. Amarrei os instrumentos às mãos para continuar a trabalhar. Afinal, a criação nasce na cabeça, não na ponta dos dedos” (Heróis de Todo Mundo, programa sobre Aleijadinho)



Ludicidade

Entre suas variadas utilidades, os jogos sempre viabilizaram o aprendizado. Também serviram para transmitir as conquistas da sociedade em diversos campos do conhecimento. Quando os membros mais velhos de um grupo revelam aos jovens como funciona um determinado jogo de tabuleiro, por exemplo, eles transmitem uma série de conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural daquele grupo.



“Antigamente, o jogo era associado a ritos mágicos e sagrados. Dependendo do lugar, era reservado apenas para os homens, ou para os homens mais velhos, ou, ainda, era exclusivo dos sacerdotes” (Os Melhores Jogos do Mundo)