terça-feira, 1 de outubro de 2013

GRIÔ - Contadores de histórias

 

A palavra griô é de origem francesa,e traduz o termo da língua africana banaman dieli (jéliou djeli), que significa “osangue que circula”. Essa língua tem sua origemno antigo Império do Mali, hoje dividido em vários países do noroeste da África.
 
 A palavra griô designa os contadores de histórias, genealogistas, mediadores políticos, contadores, cantores e poetas populares que vivem em alguns países africanos, no Sudão e em parte da zona guineense.
 
Os griôs são bibliotecas vivas da tradição oral de vários povos africanos. No continente africano, um griô nasce gri|ô, seu ofício não é escolhido, relaciona-se a uma herança e à sua origem. Quando nasce um griô, a ele são atribuídos direitos e deveres, ele é responsável por guardar e transmitir a história do seu povo. Quando um griô morre, diz-se que uma biblioteca se foi, porque ele carrega a sabedoria e as tradições desse povo.
 
É por meio da tradição oral que o griô transmite às novas gerações o que sabe, especialmente às crianças. Existem mulheres e homens que são griôs e griotes. Além das tradições de seu povo, essas pessoas conhecem o som dos animais, dos grandes aos pequenos, das cigarras aos elefantes.

De acordo com Hampaté Bâ, os griôs classificam-se em três categorias:
•    os    griôs    músicos    que    tocam    qualquer    instrumento   (monocórdio,    guitarra,    cora, tantã etc). Normalmente são excelentes cantores, preservadores, transmissores de música antiga e, além disso, compositores;
•    os    griôs    embaixadores    e    cortesãos,    responsáveis    pela    mediação    entre    as    grandes famílias em caso de desavenças. Estão sempre ligados a uma família  nobre ou real, às vezes a uma única pessoa;
•    os    griôs    genealogistas,    historiadores    ou    poetas    (ou    os    três        ao    mesmo    tempo),    que, em geral, são igualmente contadores de história e grandes viajantes, não necessariamente ligados a uma família (BÂ, 2011, p.193).

O autor ainda relata que a tradição confere aos griôs um status especial e diferente dos nobres pois eles têm o direito inclusive de ser cínicos e gozam de grande liberdade de fala. Podem se manifestar livremente, até mesmo impunemente e, por vezes, chegam a zombar das coisas mais sérias e sagradas, sem que isso lhes acarrete graves consequências. Além disso, podem contar mentiras e ninguém as tomará no sentido próprio. Nesses casos, as pessoas podem até saber que não estão falando totalmente a verdade, mas aceitam como se fosse e não se deixam enganar. Nesse último caso, Hampaté Bâ adverte:

                                  é importante considerar que nem todos os griôs 
                         são necessariamente desavergonhados   ou                  
                         cínicos . Pelo contrário, entre eles existem aqueles que
                         são chamados de dieli-faama, ou seja, 'griôs reis'. Eles
                         não são inferiores aos nobres no que se refere à 
                         coragem, virtude e sabedoria e jamais abusam dos
                         direitos que lhes foram concedidos por costume. 
                         (BÂ, 2011, p.195).
 
Nas sociedades africanas, a oralidade é um elemento central na produção e manutenção das mais diversas culturas, dos valores, conhecimentos, ciência, história, modos de vida, formas de compreender a realidade, religiosidade, arte e ludicidade. A palavra falada, para os povos africanos, possui uma energia vital, capaz de criar e transformar o mundo e de preservar os ensinamentos. As narrativas orais são registros tão complexos como os textos escritos. Essas narrativas se articulam à musicalidade, à entonação, ao ritmo, à expressão corporal e à interpretação. São guardadas e verbalizadas por narradores ou griôs, treinados desde a infância no ofício da palavra oral. Eles se apropriam e transmitem crenças, lendas, lições de vida, segredos, saberes, e têm o compromisso com aquilo que dizem.
 
Segundo J.  Vansina,
 
                      nas sociedades africanas reconhece-se a fala não apenas como uma forma de comunicação cotidiana, mas também como uma forma de preservação da sabedoria, por meio daquilo que chamamos de tradição oral. A tradição, nessa caso, é entendida como um testemunho transmitido verbalmente de uma geração à outra. Na maioria das civilizações africanas, a palavra tem um poder misterioso, pois palavras criam coisas [...] as civilizações africanas, no Saara e ao sul do deserto, eram em grande parte civilizações da palavra falada. Isso acontecia até mesmo nos lugares onde havia a escrita, como na África Ocidental a partir do século XVI, pois um número reduzido de pessoas sabia escrever. A escrita ficava relegada a um segundo plano em relação à palavra falada. Todavia, o mesmo autor nos alerta para o fato de que seria um erro reduzir a civilização da palavra falada a algo negativo, como uma 'ausência da escrita' e perpetuar os preconceitos sobre esses povos, suas histórias e costumes. Tal atitude seria uma demonstração da total ignorância em relação à natureza dessas civilizações orais. Inspirados pela tradição africana, no Brasil, há pessoas que são denominadas e consideradas griôs. São pessoas que trabalham com a cultura, arte e educação popular, reconhecidas pela própria comunidade como mestres das artes, da cura, líderes religiosos de tradição oral, músicos que sabem tocar instrumentos tradicionais, contadores de histórias de suas comunidades que socializam as raízes dos povos a que pertencem, são também cantores e poetas. Pessoas que, por meio da oralidade, das experiências vividas e da corporeidade, desenvolvem uma pedagogia que valoriza o poder das palavras (VANSINA, 2010, p. 139)



 
 
 

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