quinta-feira, 14 de maio de 2015

Cultura Negra no Rio Grande do Sul

     A identidade é formada a partir de traços culturais compartilhados, que dizem respeito ao sentimento de pertencimento a um grupo. Cultura, uma teia de significados tecida pelo próprio homem.

     Vertente Jeje "Mina"
     Os jejes ou evhés provém do grupo Geng do Benin e região. São chamados ewes em inglês. Fon é outro grupo e seu idioma. No Rio Grande do Sul fala-se em jejes. Sua religião e a dos fons é o Vodu, Vodum, Vudu. Mas no Brasil em geral ela foi assimilada à religião ou tradiçãos dos orixás, dos iorubás ou nagôs. É mais expressivo no Maranhão, no Tambor-de-Mina, culto realizado na Casa-da-Mina, e em Salvador, na Bahia, onde há candomblé de jeje. No sul, em Porto Alegre, Pelotas,  Rio Grande e outras cidades o Batuque o Nação iorubá é até mencionado(a) como sendo jeje-nagô ou jeje-iorubá, devido à influência jeje. No toque do tambor, por exemplo.

     Linguisticamente, coisa pouca: os vocábulos jeje, vodu, talvez Bará (Legba, Elegbá ou Elegbará - o mesmo que Exu)... Certamente muitas técnicas importantes foram praticadas e transmitidas pelos jejes em seu trabalho valioso nas terras gaúchas. Assim como sua sabedoria.

     Historiadores e antigos viajantes citam os "minas" como bons trabalhadores. As negras minas ficaram famosas como vendedoras de doces e outras iguarias. Por exemplo, na praça da Matriz em Porto Alegre, durante a Festa do Divino. Minas seriam integrantes da etnia mina ou do grupo fanti-achânti de Gana (antes Costa da Mina) ou ainda de outros grupos embarcados no porto de Elmina ou São Jorge de Mina, na costa africana junto ao Golfo da Guiné (OLIVEIRA SILVEIRA, 2000).

     Vertente Iorubá ou Nagô

     Yorùbá: iorubá - é o povo e também o idioma. País na África: a Nigéria. Só chegaram ao Brasil, e também ao Rio Grande no início do século 19.

     Linguagem: vocábulos como axé, babalorixá, ialorixá, ilê, orixá.

     Oralitura, oratura, literatura oral: narrativas alusivas, principalmente, aos orixás e suas lendas, e ligadas a essa tradição. Expressões como "bater cabeça", "fazer um despacho" (ebó, oferenda)... A palavra oralitura é difundida pela escritora negra mineira Leda Martins.

     Culinária: (artes e técnicas na alimentação): amalá, acarajé... O complexo alimentar dos orixás, comidas próprias de cada um deles.

     Música e dança: no RS, limitam-se à música e à dança sacras, próprias do ritual na cerimônia religiosa de Nação (Batuque). Os cantos são chamados rezas, dançadas seguindo o toque de tambores e agê. Canta-se em iorubá.

     Religião: na verdade, trata-se de uma cosmovisão, algo bem mais amplo e que engloba a religiosidade. A Tradição dos Orixás valoriza as forças da natureza e a ancestralidade. É visão ou interpretação humana diante da vida e do universo. Olorum é o que em português se chama Deus. Os orixás ou "ministros", são as forças da natureza, são modelos, são ancestrais. O local de culto, que na Bahia se chama candomblé, no Rio Grande é conhecido como casa-de-nação. O culto ou manifestação ritual é Nação ou Batuque em Rio Grande, Pelotas, Porto Alegre e outras cidades sulinas. Cessada a antiga perseguição policial, essa e outras religiões ou tradições de matriz negro-africana têm sido ainda vítimas de intolerância e desrespeito. Mas são tradições religiosas que preservam cultura, incluindo língua e linguagem. Entoam cantos em iorubá no ritual. Preocupam-se e respeitam a natureza, pois lidam com a força vital que vem dela. E estão vinculadas a ela em todos os seus aspectos: natureza física, humana, cósmica (OLIVEIRA SILVEIRA, 2000).

     Vertente BAnta Angola-Conguense

     Entre os bantos, predominaram no Rio Grande do Sul os procedentes do Congo e os de Angola. O Congo foi dividido em dois países após a sua independência. Entre os congoleses sobressaíram os falantes do idioma quicongo (kikongo) e entre os angolanos os falantes de quimbundo (kimbundo).

     Linguagem: macumba, inquice, quitute (quicongo), moleque, matungo, quilombo, quimbanda, quitanda, umbanda (quimbundo). Eliminando consoantes (que são ruídos) e valorizando as vogais (que são sons) negros falantes desse e outros idiomas africanos foram tornando mais suave e musical o português do Brasil: falá, dizê, muié, nego e nega (timbre fechado no e). Acrescentaram muitas novas palavras ao vocabulário. E mexeram na construção da frase, no estilo ou jeito de dizer e no sentido de palavras e expressões.

     Culinária: feijoada, mocotó, pé-de-moleque, quibebe...

     Música e dança: samba (do quimbundo semba) com suas variantes. Pontos e dança no ritual de umbanda. Influência na música regional ou sulriograndense e platina: vaneira ou havaneira, tango, milonga, malambo. O candombe, vivo no Uruguai e em Minas Gerais, teve registros em Bom Retiro do Sul e Porto Alegre (RS), no passado. Viajantes e cronistas brancos chamavam tudo de batuque, ignorando a variedade de danças e formas musicais. No Rio Grande do Sul, certamente houve todo tipo de manifestação musical e coreográfica banta: lundu, semba, candombe, jongo...

     Capoeira: cronistas já registravam a capoeira no inicio do século 20 em Porto Alegre. (Capoeira-de-angola, certamente). A prática desse jogo arte e luta-capoeira-de-angola e a regional - foi intensificada a partir da década de 70.

     Religiosidade: A umbanda, considerada religião brasileira, nasceu de base angola-conguense, recebendo muitos sincretismos, inclusive da vertente iorubana. Em Angola, umbanda é a ciência médica e quimbanda é o médico tradicional. Terreiros de Angola e de Congo mantenedores da raiz africana são encontrados em Salvador-BA.

     No Rio Grande do Sul a africanidade banta aparece em pontos cantados em português, alguns talvez se referindo a Nzambi ou Zâmbi (Deus). Aparece no toque dos tambores, no culto aos pretos velhos (ancestralidade)...

     Ocorreu sincretismo quando os negros disfarçaram suas divindades em figuras ou imagens de outras culturas. Por exemplo: os iorubás usavam a imagem do São Jerônimo católico, mas na verdade cultuavam Xangô. Na Macumba e na Umbanda, os bantos também combinaram imagens. O sincretismo nas terreiras com espíritos ou entidades indígenas gerou uma ramificação, os chamados caboclos. E existe ainda um espiritismo de negros. Surgiu da macumba e da umbanda, com participação jeje e iorubá.

     Ligados ao catolicismo, sobrevivem o Quicumbi ou Ensaio de Promessa no litoral em Tavares e Mostardas, e a Congada de Osório, mantida pelo Terno de Maçambique. É a festa da Nossa Senhora do Rosário durante a qual são coroados o Rei de Congo e a Rainha Jinga. Tambores, canto e dança marcam essas expressões de religiosidade. (OLIVEIRA SILVEIRA, 2000).


FONTE: Ministério da Cultura. O negro no Rio Grande do Sul.Porto Alegre. 2005.

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